Por Gabriela Streb
Minha cidade foi produtora de calçados por muito anos. Tinha como título ser a “Capital Nacional do Calçado”. O carro chefe sempre foi o calçado feminino e todo o entorno de Novo Hamburgo era voltado aos calçados, seja na produção, tratamento do couro ou elementos que envolvem o calçado. Embalagens, transporte, logística e tudo mais.
Nos anos 90 houve o bum da indústria calçadista na região e nas exportações. O Vale era riquíssimo e tivemos até um prefeito que pediu num programa de TV que as pessoas não se mudassem mais para cá pois a cidade não comportava tanta gente. Havia reflexos na saúde, educação e segurança.
Mas, o mercado calçadista não é fiel e procura sempre a mão de obra mais barata. Então, como era de se esperar, foi migrando para China.
Por aqui falavam que suportaríamos esta migração e foi mais barato para aquelas indústrias montarem suas fábricas em outro continente, mandando seus especialistas para lá. Em regra, eram pessoas e casais jovens que se dispunham em começar a vida num local completamente diferente. Por todas as dificuldades de 15 anos atrás para um profissional especialista ir para a China o valor deveria ser excelente financeiramente.
Dongguan, no sul da China é uma das cidades com maior número de brasileiros.威而鋼
A China também não tinha abertura e os brasileiros que foram de certa forma juntaram fortuna, pois no início de tudo isso não havia grandes possibilidades de compra. Na padaria, por exemplo, tinha apenas um tipo de queijo ou um tipo de leite. Então, não tinha onde gastar seu dinheiro.
Nos dias de hoje, tudo mudou: poucos fazem fortuna e você encontra qualquer coisa para consumir, como em qualquer outro local.
Ninguém acreditava que o Dragão iria engolir nossa indústria, pensava-se que era algo passageiro. Porém daqui da nossa terrinha ensinamos tudo sobre sapatos para aquele país e nosso Vale tão próspero passou a se chamar o “Vale das La Tinha”, ou seja: lá tinha uma fábrica, lá tinha um curtume. Lá tinha muita coisa que não existe mais.
Em Novo Hamburgo a quebradeira de indústrias foi tão grande que a Justiça teve que montar uma Vara Judicial especializada em Falências que existe até hoje, mas com volume muito menor de trabalho.
Atualmente ficamos a lamentar tudo isso que resultou em inúmeras fábricas fechadas e trabalhadores desempregados.
Jamais se imaginou estes acontecimentos que são só um exemplo em meio a esta situação.
Hoje notícias chegam da crise energética chinesa e os reflexos diretos para nós no que tange a insumos, ocasionando altas em todos os setores do nosso país e do mundo.
Penso que a lição disso tudo é ficar alerta pois a cada dia somos engolidos um pouquinho mais.