Por Dra. Leticia Sangaletti
Já ouviu a frase “o óbvio tem que ser dito!”? Em alguns espaços, ela pode soar um pouco grosseira, já que separa o detentor de conhecimento de um lado e aqueles desprovidos da informação do outro. Mas será que tudo é óbvio mesmo?
Os pequenos mal-entendidos do dia a dia geralmente poderiam ser evitados se as pessoas falassem, comunicassem o que, para elas, é óbvio. No trabalho, em casa, no trânsito, nas relações e interações pessoais ou profissionais, é comum isso acontecer. Muito comum, também, é presumir que todo mundo enxerga o mundo da mesma forma. Por isso, se faz necessária a comunicação assertiva.
Somos seres diversos, com estruturas familiares diferentes, educações distintas e experiências mais ainda. Cada um é composto por um inventário particular, construído por tudo o que consumimos: lugares, viagens, relações, música, cinema, literatura… ou até mesmo pela falta de consumo. E isso é o que realmente nos difere. Como pode ser óbvio algo para pessoas constituídas de forma tão variada e incomum?
O poder da clareza na comunicação
Olhe para suas relações mais próximas. O que poderia mudar se você falasse mais? Se colocasse para fora o que te incomoda ou se sugerisse algo diferente para o final de semana?
Imagine um casal casado há anos. A esposa está exausta depois de um dia longo de trabalho, mas o marido não percebe e não oferece ajuda. Para ele, parece óbvio que, se ela precisasse, pediria. Para ela, parece óbvio que ele deveria notar. O resultado? Os dois dormem chateados sem entender o motivo.
A comunicação assertiva é uma técnica simples que poderia evitar esse desgaste. Em vez de esperar que o outro adivinhe, a esposa poderia dizer: “Hoje estou muito cansada. Você pode preparar o jantar?” E o marido, ao invés de presumir, poderia perguntar: “Você quer que eu ajude com alguma coisa?”
Essa técnica ajuda a tornar as expectativas explícitas, eliminando suposições e reduzindo frustrações.
Evite ambiguidades
No ambiente de trabalho, a comunicação pouco clara pode causar ansiedade e erros. Imagine que seu chefe envie um e-mail dizendo: “Precisamos falar.”
Imediatamente, sua mente começa a criar cenários: será uma bronca? Uma demissão? Um novo projeto? Tudo isso poderia ser evitado com a regra da especificidade, uma técnica essencial para a comunicação eficiente. Em vez de algo vago, a mensagem poderia ser: “Precisamos falar sobre os ajustes no relatório X. Você pode vir à minha sala às 15h?”
Aqui, a mensagem já antecipa o assunto e define uma ação, reduzindo incertezas e deixando o receptor mais tranquilo. Na cabeça do chefe, pode ser óbvio que o único assunto pertinente no momento é este, mas ele não vive dentro da cabeça do funcionário e não sabe o que ele passa e pensa.
A Comunicação Não Violenta (CNV) e o Feedback Construtivo
Outro ponto interessante para olharmos é o feedback. Muitas vezes, ao expressar uma insatisfação, acabamos dizendo coisas de forma acusatória, sem perceber. Um exemplo clássico: “Você nunca me escuta!”
Essa frase coloca a ênfase no outro e cria um tom de acusação, o que pode gerar defesa e resistência na conversa. Marshall Rosenberg, criador da Comunicação Não Violenta (CNV), propõe uma abordagem diferente para transformar conflitos em diálogos produtivos. Ele sugere que devemos focar em nossas emoções e necessidades, em vez de julgar ou culpar.
Podemos reformular essa frase usando a técnica do feedback em primeira pessoa: “Eu me sinto frustrado quando tento falar e não sou ouvido. Podemos encontrar um jeito melhor de conversar?”
Ao expressar o sentimento e propor uma solução, abrimos espaço para uma conversa mais produtiva e menos conflituosa.
O corpo também fala
Tenha claro que dizer o óbvio não se resume apenas a palavras. O corpo também comunica. Expressões faciais, tom de voz e postura transmitem mensagens que podem reforçar ou contradizer o que estamos dizendo.
Se você disser “está tudo bem” com os braços cruzados e um tom seco, a outra pessoa pode perceber o contrário. Por isso, alinhar a comunicação verbal e não verbal é essencial para evitar ruídos e interpretações erradas.
Dizer o óbvio não é redundante, é necessário. A comunicação clara, assertiva e específica evita conflitos, melhora relações e torna o dia a dia mais leve. Então, antes de presumir que algo está claro, pergunte-se: “Será que eu já disse isso da maneira certa?”
Paul Watzlawick, um dos grandes nomes da Teoria da Comunicação, afirma que “é impossível não se comunicar”, pois mesmo o silêncio transmite uma mensagem. Se você não expressa claramente suas intenções, ainda assim comunicará algo (silêncio, gestos, expressões). Porém é possível que o outro não compreenda a mensagem, pois cada um percebe a comunicação de um jeito diferente. Se não houver clareza, surgem mal-entendidos.
É claro que é preciso muita interpretação para entender o que o silêncio quer dizer. Por isso, insisto: no fim das contas, o óbvio só se torna óbvio depois que é dito. E bem dito. Se quer evitar problemas, dúvidas e desentendimentos… fale, explique e pergunte!
O que é óbvio para você, nem sempre é para o outro!
Leticia Sangaletti é Jornalista (UFSM), Dra. Em Letras (UFRGS) e proprietária da Breve Comunicação e Marketing
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