Por Dra. Leticia Sangaletti
O cinema brasileiro brilhou, e como não sorrir diante desse momento histórico? Como não sentir o coração acelerar ao ver “Ainda Estou Aqui” levantar a estatueta de Melhor Filme Internacional no Oscar, arrancando gritos que estavam há décadas entalados na garganta do nosso povo?
Essa vitória não é só um prêmio. É um grito. É um abraço coletivo. É um lembrete poderoso de que a arte tem memória, tem voz, tem força.
E o que isso quer dizer? O que comunica sobre nós?
O Brasil se emocionou, o mundo vibrou junto, e o Oscar viu, com os próprios olhos, o que o cinema brasileiro pode fazer quando conta sua própria história, sem concessões, sem amenizar o que precisa ser dito.
Com uma produção nacional sem um real de financiamento público, mas com uma campanha apaixonada no exterior, “Ainda Estou Aqui” não apenas chegou à premiação mais prestigiada do cinema, ele venceu!
Parou a Sapucaí.
Fez ecoar o nome de Eunice e Rubens Paiva no mundo todo.
Fez milhares de brasileiros chorarem de emoção e orgulho. Recordou para que não seja esquecida uma história que precisava ser contada.
Dirigido por Walter Salles, o filme narra a incansável busca de Eunice Paiva pelo marido, Rubens, desaparecido durante a ditadura militar brasileira. Mas essa não é só a história de Eunice. É a história de tantas outras famílias que perderam seus entes queridos para um regime brutal, para um silêncio imposto à força, para feridas que até hoje não cicatrizaram.
Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, o filme traz uma narrativa delicada e intensa, onde a dor se mistura com a resiliência, onde a luta por justiça atravessa gerações, onde o passado insiste em pedir voz para que não se repita.
No livro, Marcelo escreve sobre a morte do pai. No filme, Walter Salles deixa que o espectador sinta essa ausência, que perceba, sem precisar de palavras explícitas, que aquele homem nunca mais voltou para casa.
E agora, essa história, que muitos tentaram apagar, foi projetada para o mundo inteiro ver, se tornando mais do que um filme, mas um marco para a democracia.
Falar sobre a ditadura não é sobre o passado, é sobre o presente e o futuro.
Falar sobre Eunice não é só contar a história de uma mãe, é contar a história de um país.
Neste momento, em um Brasil ainda polarizado, “Ainda Estou Aqui” chega como um lembrete necessário: memória não se apaga, justiça não prescreve, a democracia precisa ser protegida.
Este Oscar não é apenas um reconhecimento artístico. Ele é um símbolo de resistência. Ele é a prova de que contar nossa própria história, sem medo, sem censura, sem esquecimento, é um ato revolucionário.
Impossível não enaltecer Fernanda Torres. Com
sua atuação impecável e sua campanha autêntica e inigualável, mostrou ao mundo a essência do Brasil. Entre lágrimas e sorrisos, viralizou com frases espontâneas, abraçou o público, se deixou abraçar.
E, de repente, “A vida presta” se tornou um lema.
Porque sim, a vida presta. Mesmo com todas as suas dores, com todas as suas injustiças, com tudo o que ainda precisa ser corrigido, ela presta. E nós vamos viver, lembrar, resistir e sorrir.
A estatueta do Oscar se junta a outras e, em uníssono, mostram que o cinema brasileiro está em seu lugar de direito. E essa vitória não é um acaso.
Essa vitória não é só sobre um filme. Ela é sobre o cinema brasileiro encontrando, de uma vez por todas, seu lugar no mundo.
Ela é sobre nossa arte, nossa memória, nossa identidade.
Ela é sobre a gente.
E que venham mais narrativas – literárias e cinematográficas –. Que venham mais vitórias.
Porque a nossa voz não se cala.
E o nosso cinema, assim como nossa história, jamais será apagado.
Nós vamos sorrir sim. Porque a vida presta, e o Brasil também.
Leticia Sangaletti
Jornalista e Dra. em Letras
Proprietária da Brevê Comunicação
@lesangaletti