Por Claudia Zogheib
Os livros de Elena Ferrante são conhecidos por sua intensidade. No filme, “A filha Perdida”, adaptação de um dos livros da autora, a profundidade aparece desde o início. A primeira cena do filme mostra Olivia Colman no papel de Leda indo passar férias na Grécia, deleitando-se com a brisa do mar num lindo dia de sol. Trata-se de uma professora universitária de literatura, cujas filhas foram morar com o ex-marido no exterior. Nesta cena, onde se evidencia o prazer da protagonista por suas leituras, se dá o encontro com uma família “barulhenta” que a faz rememorar os desconfortos de sua própria história de vida.
Assim, ela passa a observar atentamente a relação da mãe com sua filha, e num dado momento, a criança “perde” sua boneca, matéria prima importante do enredo.
A reação inconsolável da menina, revela a força emocional que a mesma dava a sua boneca. Trata-se daquilo que Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, chamou de objeto transicional, que para a criança está relacionado ao processo de separação da mãe, onde a boneca torna-se sua extensão: e é neste papel emocional que a boneca existe.
O envolvimento que se estabeleceu entre Leda e a mãe com sua filha, revela o quanto ela está envolvida com suas próprias lembranças de filha e de mãe, numa desordem perceptível do objeto transicional da criança, e da Leda também.
Diante da lembrança de como cumpriu seu papel de mãe, o assombro toma conta de seu olhar, onde o desejo foi a tônica de sua escolha, mesmo lhe trazendo desafetos, temores e tristezas.
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ato de que enquanto ela estava ocupada em ser uma mãe diferente de sua mãe, lhe passou desapercebido a maneira real de como gostaria de ser: o passado continuou no presente… a lhe atormentar.
O filme e o livro exploram a maternidade, suas alegrias e seus empenhos. Com a impossibilidade de se tornar a boneca idealizada de sua mãe, e de ter filhas como bonecas idealizadas, a angústia tornou-se arma poderosa, e nesta relação, a separação torna-se tão necessária quanto dolorosa.
Não se trata apenas de um filme sobre a maternidade, e sim de um repensá-lo em outro nível, enquanto continuamos a ignorar os anseios femininos: ser mãe, carreira, liberdade, escolhas, que muitas vezes se mostram insustentáveis, tendo como consequência, respostas difíceis de suportar.
Diante do sentimento de abandono, são muitas as mães que desejam parceria, tempo e acolhimento.
Este texto foi escrito ao som da música “Your Reflection” de My Brilliant Friend.