Por Claudia Zogheib
A gratidão é um sentimento difícil de ser identificado e compreendido em nós mesmos. Mesmo sendo baseado em sentimentos amorosos e elevados é facilmente confundido por muitas vezes estar ligado a retribuição e não a gratuidade.
Se nos atentarmos ao mundo em que vivemos hoje, parece incomum estarmos envolvidos a sentimentos bons, e constantemente nos deparamos com pessoas imersas em suas religiosidades, místicos, seres humanos comuns, praticando atitudes toscas, sem o menor senso de respeito e gratidão: viver neste mundo muitas vezes nos assusta!
Para Melanie Klein, um dos principais derivados da capacidade de amar é o sentimento de gratidão. É o fundamento da apreciação do objeto bom nos outros e em si mesmo. O bebê só pode sentir satisfação completa se a capacidade de amar é suficientemente desenvolvida. Sendo assim, a satisfação é a base da gratidão. Se ela não é desenvolvida, ou é interrompida por algum trauma ou algo que não aconteceu de forma satisfatória no curso de seu desenvolvimento, a tendência é o crescimento de um comportamento tirânico, psicopatias, e outras tendências destrutivas.
O indivíduo grato é aquele que conseguiu desenvolver sua capacidade de amar, porque sua relação inicial com sua mãe foi satisfatória, ausente de atropelos e interrupções abruptas, tendo ele uma mãe que desempenhou o seu papel principalmente nos primeiros anos de vida, de maneira a este filho ter um modelo introjetado que seja capaz de desenvolver bons sentimentos.
Caso contrário, diversos sentimentos ficam à deriva, e antes que eles caiam no “esquecimento” – impossível que seja assim – eles são dirigidos de forma d犀利士
estrutiva a outros modelos correspondentes por meio da identificação projetiva.
A tentativa de manter o objeto amado a todo custo, de rivalizar com seus outros interesses, de controlar o afeto fugaz é a receita perfeita para a morte do amor, e sua transformação em ódio é endereço certo. Neste modelo, aqueles que contribuíram para sua formação, passam a obter todo o ódio para equilibrar o que não ficou completo no desenvolvimento, permanecendo como atitude compensatória, e para expulsar o excesso de não compreensão interna.
Pensar como devemos tratar tal situação trata-se de uma atitude individual, mas desenvolver o sentimento de gratidão auxilia no contato consigo próprio, e no desenvolvimento de redes mais adaptativas ao modelo evolutivo. A evolução humana está aí para nos lembrar onde deveríamos estar em nossas relações, e o quanto os modelos existentes carecem de aprimoramento existencial, enquanto místicos, religiosos, humanizados. Parece que a conta de dois mais dois igual a quatro ainda não fecha, e o modelo da destrutividade continua a nortear a humanidade.
Em tempo, este texto foi escrito ao som da música: “Babel” de Ryuichi Sakamoto.