Claudia Zogheib
Quem está habituado a viver a vida esquecendo que um dia a morte virá, se torna a grande vítima que sofre com a falta de recursos internos para reconhecer e nomear seus sentimentos diante da vivência do luto.
Mesmo se muitas vezes não estamos preparados para viver as perdas, se estabelecemos um diálogo interno com nós mesmos, seja na sessão de análise, seja numa educação que não deixa de pensar a dor, diante das frustrações diárias que a vida nos proporciona, ter que lidar com estes fatos às vezes pouco reconhecidos e ainda sem nome, de certa forma nos ajudam a enfrentar o luto de maneira a vivenciar a experiência com sofrimento e aprendizado.
Talvez nunca estejamos totalmente preparados para viver o luto, mas da maneira que a perda se apresenta, facilita ou dificulta termos um material que ajude a reconhecer e transformar as memórias numa experiência vivível, tornando tudo mais ou menos custoso.
Quando vemos a notícia de alguém que se foi aos 100 anos é como se atualizasse em nós um sentimento de dever cumprido, de etapas bem vividas e de uma construção de memórias que ajudam a elaborar o luto. Ao mesmo tempo, quando vemos uma criança morrer pela guerra, uma pessoa interromper a vida pelo suicídio, ou as mortes sem funeral das vítimas do covid 19, diversas perguntas ficam sem resposta, e a elaboração do luto terá que encontrar ferramentas complementares para entender que a falta de resposta nem sempre deve ser entendida como algo sem representatividade dentro de nós, mas sim uma fatalidade que a falta terá que encontrar recursos internos para nomear seus sentimentos, tornando a experiência um desafio a mais no processo de elaboração que a dor da perda já carrega em si. São as mortes que não deram tempo de deixar nada anotado.
O processo de luto está inevitavelmente presente na dinâmica entre os dois polos da existência humana, vida e morte, e não se limitam apenas a morte de um ente querido, mas ao enfrentamento de sucessivas perdas reais e simbólicas durante nossa trajetória humana, sendo caracterizado como uma perda de elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, um fenômeno mental natural e constante no processo de viver a vida.
Um luto bem vivido será capaz de fazer a perda se integrar às nossas vivências como algo reconhecidamente difícil, mas que conseguimos elaborar dentro de nós colocando a dor no seu lugar de pertencimento, traduzido em memória diante do que se foi.
Os lutos da vida nos ensinam a viver no realismo da dor, nos colocando em contato com vivências importantes que se misturam dentro de nós como algoz e ao mesmo tempo numa permanente construção quando pensamos na vida como ela é, cheia de alegrias e tristezas.
Àqueles que se foram!
Música, “Je te laisserai des mots” por Patrick Watson.
Foto do Acervo @auguri_humanamente