Por Claudia Zogheib
O álcool continua sendo a droga mais usada em todo o planeta, sendo uma substância de fácil acesso, responsável por enviar muitas pessoas a prontos-socorros, causando mortes, acidentes, perda de emprego, de amigos, enfim, um vício tido como um golpe no escuro se utilizado de forma errada pelo indivíduo.
Assunto de saúde pública, muitos já vivenciaram cenas de violência na própria casa provavelmente fruto de um consumo exagerado, que muitas vezes não é notado pelo próprio consumidor: deixar a porta da rua aberta, colocar fogo sem perceber, ficar perdido na rua, fazer xixi no tapete, na cama ou em outro local, agredir as pessoas de casa, ofender verbalmente, ter atitudes tiranas, enfim, estas são algumas das situações mais comuns vivenciadas por amigos e familiares que tem algum alcoólatra por perto.
Freud em “O Mal Estar da Civilização dizia que o serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhe concederam um lugar permanente na economia de sua libido. Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo, pois sabe-se que com o auxílio desse “amortecedor de preocupações” é possível em qualquer ocasião se afastar da pressão da realidade e encontrar um refúgio num mundo próprio com melhores condições de sensibilidade. Sabe-se igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determinam o seu perigo e a sua capacidade de causar danos.”
Parece que para quem bebe o consumo faz com que desapareça a angústia como num “milagre”, onde o consumidor se entrega num êxtase entorpecente.
As amnésias posteriores nos obrigam a pensar que a embriaguez produz um “evento sem sujeito” onde o mesmo fica comprometido na sua faculdade de julgar, fazendo e falando coisas enquanto alcoolizado que jamais falaria sóbrio, e o próprio ato de “beber x sobriedade” acaba o colocando cada vez mais distante de manter suas próprias percepções, onde ele não consegue mais ser capaz de avaliar a extensão de sua própria situação.
O álcool permite manifestações efusivas que vem em arroubos, e de certa forma, a fala sem censura pode ser tomada como um índice da ideia da solubilidade do superego no que diz respeito ao aspecto moral e a prevalência de uma fixação oral: este “líquido mágico” parece ser capaz de o transportar a uma situação de prazer, onde os problemas, as dores e as limitações desaparecem. Aquele lugar ansiado no encontro com o objeto perdido, situação de plenitude onde nada falta: momento de prazer primitivo com a mãe.
O alcoolista encontra no álcool a química que tampa sua falta, que lhe parece eterno enquanto dure, onde a sensação de plenitude cessa quando finda a ação química num mal estar que e o faz ansiar por mais álcool, recomeçando sempre o circuito alcoólico: álcool – mal estar – mais álcool, ou seja, repetição compulsiva em torno da ilusão, do escapamento, do não enfrentamento da situação, havendo a necessidade de doses muitas vezes maiores para reproduzir o fenômeno da embriaguez, havendo um distanciamento cada vez mais da percepção de si mesmo, sendo o álcool, seu próprio organismo e a sua vida: a bebida como forma de escapar da realidade que não se pode evitar.
O álcool permite restringir as consequências subjetivas dessa submissão à censura que o sujeito tomou conhecimento através do agente paterno no complexo de Édipo, e o superego que é responsável pelo julgamento de nossas ações e pensamentos, deixa-nos as marcas da lei. Um não inaugural fica como cicatriz para o homem que nos aspectos morais do superego apontam para a vertente ligada à censura, ao interdito. Não é apenas uma lei reguladora, ele guarda vestígios de onde se gerou as identificações que gritam como vozes arquejantes.
No trat犀利士
amento com um alcoolista, deve-se pleitear antes de tudo ajudá-lo a aprender a lidar com as demandas em decorrência da angústia gerada pelas perdas: da família, do trabalho, dos amigos que não mais o toleram, da vizinhança que reclama, e dos riscos permanentes que ele sofre causado pelo abuso.
Desfeita a ilusão de que o analista não vai suprir toda a sua angústia e o fazer parar de beber, o paciente passa a perceber-se como protagonista da sua própria história e não mais aquela vítima da incompreensão de todos aqueles que estão próximos, e neste ponto, o alcoolismo parece ser a tentativa de corrigir a castração por uma relação que não é marcada por nenhum limite.
Alguns usuários alteram o estado de consciência e tornam-se agressivos, atacando e se colocando em risco, ficando extremamente agressivos. Esta realidade acontece com frequência e a dificuldade está nele admitir ser um alcoólatra, que por estar imerso no problema, fica com dificuldade de entrar em contato com a dimensão do problema, e mesmo quando tem a percepção, não consegue fazer nada para mudar: mais ataca do que se olha, e isto acontece como defesa contra a angústia, e por conta da dificuldade em aprofundar o verdadeiro motivo de usar a bebida como mecanismo de fuga.
Diante de toda relação ele sente o outro como ameaçador, e talvez por isto, tudo ganha proporção dentro dele, que constantemente elege alguém como sendo culpado de toda a sua vida não estar dando certo, de tudo o que ele não está conseguindo alcançar: o outro como devorador, como castrador.
Com persistência, o trabalho da análise diante desta situação tende a se modificar, e confrontar a falta, o vício, passa a ser uma possibilidade a partir de outras construções.
E diante de um perigo eminente, sair do circuito para um tratamento específico torna-se uma possibilidade a se pensar.
Este texto foi escrito ao som da música I Got It Bad (And That Ain’t Good), Oscar Petterson.