Por Reginaldo Leme
Olá, amigos do Florida Review. A fórmula 1 corre pela primeira vez na Arábia Saudita.
É a penúltima corrida do melhor campeonato deste século 21 e, por isso mesmo, vem atraindo tantos novos torcedores, além de trazer de volta aqueles que já não viam as corridas com regularidade.
Então falar sobre o novo circuito de Jeddah, que é o segundo mais longo do campeonato e, mesmo antes de ser inaugurado, já se sabe também que passará a ser o circuito de rua mais veloz do mundo.
Este é um fim de semana importantíssimo para a fórmula 1. Nada está definido, mas existe uma pequena chance de Max Verstappen conquistar o titulo mundial agora no fim de semana. Mas do outro lado, está um Hamilton muito forte.
Desde a corrida de interlagos, Lewis Hamilton parece ter adquirido uma força que nem ele nem a Mercedes sabem de onde veio. A verdade é que o favoritismo do carro da Red Bull nas duas ultimas corridas se inverteu, e a vantagem do holandês caiu de 21 para 8 pontos. Mesmo assim, é ele quem tem a primeira chance de fechar o campeonato antes da etapa final, mas a combinação de resultados necessária para que isso aconteça é bem improvável.
A Arábia Saudita recebe a fórmula 1 pela primeira vez em sua história, mas a fórmula 1 não é estranha aos árabes. Entre 1978 e 1983, a equipe Williams causou surpresa trazendo o nome da Saudi Arabia pintado em seus carros. Este, aliás, foi o ponto de virada para Frank Williams transformar a sua pequena e endividada equipe em uma máquina de vencer corridas e títulos até a metade dos anos 2000. Uma das empresas patrocinadoras da Williams, a Abilad,havia sido fundada por Mohamed bin Laden, pai daquele que viria a se tornar o terrorista mais conhecido do mundo, Osama bin Laden.
Recentemente a marca de uma empresa árabe de energia se tornou muito conhecida na formula 1. A Aramco passou a ser uma das patrocinadoras globais do Mundial.
Um grande prêmio na Arábia Saudita é consequência natural disso e a corrida está garantida por dez anos. A cidade escolhida foi Jedá, que fica a 950 quilômetros da capital Riad, e a apenas 86 quilômetros da cidade sagrada de Meca, que nenhum não-mulçumano pode visitar.
Em Jedá, à margem do Mar Vermelho, foi construído um circuito que tem boxes e estrutura definitiva, mas é de rua. E bem mais do que isso: é o circuito de rua mais rápido do mundo.
Além de rápido, é um circuito bem longo, medindo 6.174 metros, simplesmente o segundo mais longo da fórmula 1, superado apenas pelos 7.004 metros de Spa-Francorchamps e muito próximo de Baku, que também é de rua e mede 6.003 metros.
O desenho da pista é do arquiteto alemão Herman Tilke, mas, desta vez, sob orientação de Ross Brawn, o diretor técnico da Liberty, que fez muitas exigências para que o traçado tivesse grandes desafios para os pilotos.
O resultado é um circuito de 27 curvas – 16 à esquerda e 11 à direita e uma delas, a curva 13, com 12 graus de inclinação. Quer uma boa comparação ? São três graus a mais que as curvas do oval de Indianápolis, o que deve gerar uma força lateral perto de 5g.
Um desafio e tanto para o pescoço dos pilotos no segundo circuito mais veloz do calendário. Atrás apenas de Monza.
As simulações feitas pelas equipes estimam a média de velocidade em torno de 250 quilômetros por hora e o tempo de volta, em ritmo de classificação, deve ficar na casa de um minuto e 27 segundos.
O certo é que os árabes botaram fé nas ideias de Hermann Tilke e Ross Brawn, e com isso conseguiram a façanha de construir o circuito de rua mais rápido do planeta. Nem o perigoso traçado da Ilha de Man, na Irlanda do Norte, famoso pelas altas velocidades de sua corrida de motos, tem uma média tão alta.
Com toda essa extensão, foi possível estabelecer três áreas de ativação da asa móvel, o que é impressionante em se tratando de um circuito de rua. No atual calendário do Mundial, apenas o circuito da Áustria contou com três zonas de DRS.
Tudo muito bonito, uma reta à beira-mar, mas demorou para ficar pronto. Mesmo sem poupar gastos, os trabalhos acabaram atrasando e assustando os organizadores.
A Arábia é um país de costumes e leis rígidas e todas as pessoas da fórmula 1 receberam instruções sobre um código de conduta a ser seguido durante o tempo de estada no país. Essas instruções tratam dos costumes, chamando a atenção principalmente para as vestimentas.
Para as mulheres o rigor é maior.Elas não podem usar roupas justas ou tecidos com transparência, e, claro, têm que cobrir o máximo possível da pele. O comprimento das saias tem que ficar abaixo do joelho e as blusas com mangas acima do cotovelo.
Pelo menos as mulheres que trabalham na fórmula 1, incluindo as namoradas dos pilotos, não precisam cobrir o rosto. Mesmo assim, a recomendação é de que elas sempre carreguem em suas bolsas um lenço caso seja necessário cobrir a cabeça. As mulheres árabes usam um manto longo, e geralmente preto, mas não precisam cobrir a cabeça.
Para os homens, regras menos rígidas. São permitidas as bermudas, mas desde que façam parte do uniforme das equipes, e sejam usadas exclusivamente na pista ou dentro dos veículos que fazem o trajeto hotel-circuito-hotel.
Os costumes e a cultura da Arábia Saudita não poderiam ser outros. Um país que apenas 50 anos atrás era pobre e formado por uma pequena população que vivia como nômade em um território que é 95% formado por desertos e único país no mundo a não ter sequer um rio ou um lago.
O ponto de virada, como quase todo país do Oriente Médio, foi a descoberta do petróleo nos anos 60 e 70. Hoje ele é responsável por 75% da economia saudita e o país é o maior exportador de petróleo do planeta.
A Arábia Saudita não tem uma constituição como se conhece no Ocidente. O código de leis é a “sharia”, a lei islâmica, sem Constituição e também sem parlamento, o país é comandado pelo rei Salman al Saud.
A frase escrita em árabe na bandeira do país significa “não existe outra divindade além de Alá, e Maomé é o seu profeta”.
Embora o país tenha dado início a uma leve abertura para receber turistas, os estrangeiros não-muçulmanos não podem, por exemplo, visitar a cidade sagrada de Meca.
A entrada ou importação de qualquer produto ou artigo religioso não ligado ao islã é considerada crime. A lei islâmica, nós sabemos, é bastante rígida. Na Arábia Saudita é expressamente proibido o consumo de carne de porco e bebida alcoólica.
As mulheres, até pouco tempo atrás, eram proibidas de dirigir e ainda não podem frequentar cinemas, teatros e outros locais públicos. Nem aos cemitérios elas podem ir.
Um exemplo simples, mas necessário para mostrar a realidade do país, tão distante da nossa: desde 2003, a boneca Barbie é proibida no país, por ser considerada vulgar. Mas as meninas têm a sua versão de boneca. A principal delas chama-se Fulla e representa as mulheres islâmicas, com suas vestimentas habituais.
É um país profundamente religioso, culturalmente conservador e geograficamente desafiador. 95% do território é formado por desertos, e apenas um e meio por cento da terra árabe é própria para a agricultu犀利士
ra.
Aos poucos, os árabes têm se modernizado em algumas questões, mas só em 2018 as mulheres passaram a ter permissão para dirigir pelas ruas das cidades. Antes era proibido e quase 90% das famílias árabes tinham motorista particular para conduzir as mulheres.
Ah, e guarde bem este conselho: nos restaurantes coma sempre com a mão direita, e jamais use a mão esquerda para nada. Seja para entregar ou pegar algum objeto. Entre os árabes, usar a mão esquerda é ofensa grave. Assim como mostrar a sola dos sapatos, caso alguém se sente e cruze as pernas, por exemplo.
A religiosidade é o principal alicerce dos árabes. Todos os dias, pode se ouvir, de onde quer que seja, cinco chamados para oração. É muito comum o comércio fechar durante estes ritos, que duram cerca de 30 minutos cada. Chega a ser curioso ver em locais que nunca fecham, como aeroportos, assim que ouvem o chamado os homens estenderem um tapete, onde quer que estejam, e se ajoelharem para rezar virados em direção à cidade sagrada de Meca. Em qualquer hotel no mundo árabe, e mesmo fora dele, no caso de hotéis famosos de grandes capitais, é comum haver dentro de cada apartamento a indicação exata da direção de Meca para que os mulçumanos possam fazer suas orações.
De acordo com a tradição islâmica, Meca foi fundada por descendentes de Ismael, o primeiro filho de Abraão. Acredita-se que seja o local de nascimento do profeta Maomé e também onde, no século sete,/ o mesmo Maomé proclamou o islã.
Campeonato de Pilotos
O campeonato está chegando ao fim e, faltando duas etapas, o placar reflete bem o que foi a temporada inteira – uma intensa briga entre Hamilton e Verstappen. E suas equipes Mercedes e Red Bull tornando essa disputa esportiva uma verdadeira guerra. Os dois rivais na briga pelo título estão separados por oito pontos: 351 e meio para Verstappen. 343 e meio para Hamilton.
A temporada vive um momento de definição, no qual Hamilton e a Mercedes AMG Petronas têm se superado de forma até surpreendente. Interlagos, por exemplo, até o GP de São Paulo no dia 14 de novembro, era considerada uma pista extremamente favorável ao carro da Red Bull. Mas Hamilton brilhou. Somando-se a corrida sprint do sábado, quando largou em último por ter trocado o motor, e chegou em quinto e mais a de domingo, quando conquistou uma de suas vitorias mais espetaculares, Hamilton ultrapassou todos os pilotos do grid, alguns deles mais de uma vez.
Mesmo assim, é Verstappen quem tem a chance de fechar a fatura do campeonato de pilotos neste GP. Hamilton quer levar a decisão para a ultima corrida, se tudo der certo, empatado com Verstappen. Se vencer a corrida e fizer também a melhor volta, isso está garantido, mesmo que Verstappen chegue em segundo.
Para o holandês fechar agora o campeonato, ele teria que vencer, com o ponto de bonificação da melhor volta, e Hamilton conseguir, no máximo, um sexto lugar.
Com Verstappen vencendo sem a melhor volta, Hamilton pode até terminar em sétimo que o campeonato não termina.
Verstappen teria a vida bem facilitada se Hamilton não marcasse ponto ou se ficasse, no máximo, em décimo lugar. Pelo lado de Hamilton, o grande trunfo é a arrancada iniciada no Brasil.
Há um dado estatístico muito interessante para que os dois se esforcem ao máximo para largar na frente: desde 2010, sempre que a fórmula 1 corre em uma pista nova, o autor da pole position termina o ano como campeão. Foi assim com Sebastian Vettel na Coréia em 2010, na Índia em 2011 e no Circuito das Américas em 2012. A escrita se repetiu com Nico Rosberg no Azerbaijão em 2016 e com Lewis Hamilton em 2014 em Sóchi. No ano passado, Hamilton fez a pole em Mugello e Portimão e este ano no Catar, outra pista que estreou na fórmula 1.
Bottas continua sendo o terceiro colocado no campeonato, mas como não pontuou na ultima corrida, permitiu a aproximação de Sérgio Perez. A diferença entre eles agora é de apenas treze pontos.
Campeonato de Construtores
A briga pelo título de construtores, que vale muito dinheiro, está bem apertada. A Mercedes AMG Petronas, que já teve uma liderança tranquila, agora está apenas cinco pontos à frente da Red Bull.
A Ferrari parece ter vencido a guerra pelo terceiro lugar contra a McLaren: agora são 39 pontos e meio de vantagem dos italianos. Nesta série de três corridas seguidas, que começou no México e passou pelo Brasil e pelo Catar, a Ferrari marcou 47 pontos contra apenas quatro da McLaren.
A Alpine desempatou a disputa com a Alpha Tauri: agora está sozinha em quinto lugar com 137 pontos contra 112 da taurina. A Aston Martin subiu para 77 pontos e na parte de baixo da tabela nada mudou: a Williams aparece em oitavo com 23 pontos; Alfa Romeo em nono com 11 e a Haas fecha a classificação sem nenhum pontinho sequer.
A morte de Sir Frank
No último domingo a fórmula 1 perdeu um de seus personagens mais carismáticos. Sir Frank Williams, aos 79 anos de idade.
Eu conheci Frank quando ele ainda arrendava carros para disputar a fórmula 1. Me foi apresentado por Emerson Fittipaldi na pista de Brands Hatch.
O destino o uniu a diversos pilotos brasileiros. O primeiro foi José Carlos Pace, correndo com um carro March, que Frank arrendou e passou a chamar de Politoys, a marca patrocinadora.
Bem mais tarde, já com sua própria equipe, Frank Williams foi campeão mundial com Nelson Piquet em 87. Além de Piquet, a lista de brasileiros na Williams tem Ayrton Senna, Antonio Pizzonia, Rubens Barrichello, Bruno Senna e Felipe Massa e a lista aumenta se contarmos os pilotos brasileiros que já testaram pelo time como Roberto Pupo Moreno, meu colega da Band, Max Wilson, Bruno Junqueira e também Ricardo Sperafico. Gil de Ferran, Aluízio Coelho, João Paulo de Oliveira e Nelsinho Piquet também já pilotaram os carros da Williams em testes.
Frank era um atleta. Corria de três a quatro voltas nos circuitos de cada grande prêmio. Um acidente de estrada sofrido em 1986 quando viajava de carro entre Paul Ricard e Marselha, na França, o deixou tetraplégico.
Naquele mesmo ano retornou aos paddocks em sua cadeira de rodas, gerando grande comoção na fórmula 1. E ainda assim, tornou sua equipe uma máquina vencedora.
Ganhou nove mundiais de Construtores e sete de Pilotos: Alan Jones, Keke Rosberg, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost, Damon Hill e Jacques Villeneuve foram os campeões pilotando carros da equipe Williams.
Em 2012, Frank passou o bastão à filha Claire e em 2020 o time foi vendido para um fundo de investimentos que manteve o nome Williams e o legado de Frank na fórmula 1.
Eu o entrevistei algumas vezes, em outras, foram papos informais, como em Donnington, 1983, quando Ayrton Senna fez seu primeiro teste com um carro de fórmula 1.
Frank foi sempre uma pessoa querida no paddock. Quando conquistou sua última vitória, na semana em que completava 70 anos, foi mais cumprimentado do que o piloto vencedor, Pastor Maldonado. Era admirado pelos rivais. E viveu intensamente o espírito de garagista, como eram chamados os donos originais das equipes que fizeram a fórmula 1 ser o que é hoje. O legado que ele deixa é eterno.
Esta é mais uma corrida daquelas em que ninguém precisa madrugar. O primeiro treino livre da sexta-feira começa as 10h30 da manhã e a segunda sessão às 14 horas, horário de Brasília. Sempre lembrando que no Bandsports a gente começa a transmissão 15 minutos antes e que nos EUA a opção com áudio em português com a equipe da Band é através do app F1 TV. Para todos os horários e opções visite meu Instagram: @regileme.
Fica aqui um grande abraço com muito carinho.
Tchau, pessoal!