Por Claudia Zogheib
Em algum momento da vida já nos sentimos só, condição às vezes associada ao vazio, ao sentimento de solidão. Já a solitude, estado de isolamento voluntário e positivo, é um processo necessário para aprofundarmos e aprendermos com nossa própria companhia.
Melanie Klein foi uma importante psicanalista contemporânea de Freud e dizia que a solidão não se refere à situação objetiva de ausência de qualquer companhia, mas sim do sentimento de se sentir sozinho independentemente das circunstâncias externas, onde o sujeito se sente só mesmo estando entre pessoas, mesmo recebendo amor. Para ela, esse sentimento resulta da frustração de um anseio primordial e permanente na comunicação e integração com outro ser humano afetivamente importante, e à medida que tal comunicação e integração não acontece, um certo grau de solidão se estabelece.
Existem diferentes graus e nuances de solidão, e todos estão relacionados a um sentimento de vazio, um estado interno de despovoamento ligado a sensação de não ser uma boa companhia para si mesmo e para ninguém, que através da projeção passa a ser externalizada de tal modo que mesmo tendo um mundo povoado e receptivo, sente como desprovido de significado emocional e afetivo, por isto o sentimento de solidão. Pode também estar associada a psicopatologia e a nível físico, mas em todas as formas existe um modelo existencial e de maturação que determina o fato do quanto nos permitimos e conseguimos estar diante do nosso próprio “Eu”, o quanto conseguimos olhar para dentro de nós.
Pode acontecer de estarmos acompanhados, cheios de pessoas à volta, e nos sentirmos completamente solitários, como também, pode acontecer de estarmos totalmente sozinhos e isolados, e nos sentirmos plenos e em paz, na solitude.
Solitude é um processo de amadurecimento vivido como experiência de presença mesmo estando só, que torna a realidade plena, dando sentido e significado as coisas, uma experiência capaz de nos mostrar diferentes perspectivas da mesma realidade, que busca a identidade e adquire consciência, estado no qual o indivíduo inicia a experiência de si mesmo, e deve ser cultivada por se tratar de uma experiência altamente produtiva e frutífera.
Winnicott foi um importante pediatra que dizia que a capacidade de estar só se associa a um importante momento do desenvolvimento humano. Estar só constitui um fenômeno altamente sofisticado em que o indivíduo pode experimentar total confiança em si e no ambiente que está inserido, sendo capaz de estar assim sem perder o contato com a realidade, um estar produtivo e não como fuga, conseguindo conviver com suas relações interpessoais com sentido pessoal, experimentando-as como real e valorosas, configurando um estágio de maturação do processo de individuação que tanto contribui para o desenvolvimento pessoal.
Tanto na solidão quanto na solitude, somos nós que estamos… sendo a solidão, um sentimento que necessita de cuidados, necessitando de tratamento na busca de autonomia, para aí então, sermos capaz de estarmos na solitude, na própria companhia.
Culturalmente não fomos ensinados que estar na própria companhia seja algo positivo, fato que talvez acabou colaborando para estarmos com o outro, muitas vezes numa relação de codependência ou domínio.
A medida exata das relações deveria ser aprendermos estar com nós mesmos sem problemas, e quando estamos com o outro, que seja numa relação de troca de experiências, de enriquecimento para ambos.
Solidão e solitude são duas questões importantes a serem pensadas na sociedade contemporânea, muitas vezes não percebida pelo próprio sujeito que não consegue conviver com seus próprios afetos, estes que tem o direito de existência, de serem nomeados, para a partir de então serem transformamos em algo mais produtivo. E para nos darmos conta disto, precisamos estar presentes em nossa própria trajetória, e não sendo conduzidos pelo acaso.
“À medida que o self se constrói e o indivíduo se torna capaz
de in威而鋼
corporar e reter lembranças do cuidado ambiental,
e, portanto, de cuidar de si mesmo,
a integração se transforma
em um estado cada vez mais confiável”
Winnicott
Este texto foi escrito ao som de “Solitude”, de Billie Holliday.
2 Comentários
Parabéns ao excelente texto, sempre tão compreensivel, com clareza e conhecimento. A psicanálise acessivel aos leigos. Procurei um psicanalista a partir dos textos que li desta psicanalista. Obrigado
Obrigada Dra. Edith, que bom que ajudou, abraço