Por Natalia Frizzo
Que Saudade danada não é mesmo? Da normalidade da rotina, do cumprimento com abraço, da liberdade de escolha, sobre quando e onde ir. Saudade do cheiro da pessoa que se gosta, do happy hour com amigos ou do almoço na casa da vó. Sentimos saudade, palavra essa única em nossa língua portuguesa, e repleta de tantos significados.
Mas, hoje vim dividir com vocês minha mais nova aquisição para a vida: a palavra Ubuntu. Alguém se arrisca a desvendar o que é? Ubuntu, como esclarece Dirk J. Louw, é uma palavra originária na África do Sul, que carrega um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver, que se opõe ao narcisismo e ao individualismo. O significado traz consigo a afirmação de que “ser humano significa ser por meio de outros”, sejam estes vivos ou mortos, humanos ou não. E ainda tem potência de traduzir-se em “compaixão, calor humano, compreensão, respeito, cuidado, partilha, humanitarismo ou, em uma só palavra: amor”.
Assim como saudade, Ubuntu é mais que uma palavra, exprime a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade. De acordo com essa filosofia de vida, alguém se torna uma pessoa por meio de outras pessoas, mas também por meio de todos os seres do universo, incluindo a natureza e os seres não humanos. E, por isso, para o estilo de vida Ubuntu, “a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade”. Há nisso uma grande noção de fraternidade implicada de compaixão e abertura de espírito, além entendimento que cuidar do outro é cuidar de si e também do mundo no qual se vive.
Fantástico, não é? Uma sociedade inteira que pratica a compreensão de que a vida se dá na relação e que somos todos responsáveis coletivos por este sucesso.
No tempo presente, a falta do outro, a convivência e a liberdade estão sendo questionadas. Nosso ideal de autonomia chacoalhou o fantasioso entendimento de independência pura, livre de coerção ou limitação e nos convidou a pensar tal autonomia nos moldes que o filósofo Ronald Dworkin nos propôs, como a liberdade de sermos autores de nossas vidas – vida essa que se dá na coletividade. Estamos afastados fisicamente de algumas referências, mas, a manutenção da integridade da nossa vida exige que não nos desconectemos de quem éramos ou de quem queremos ser.
No livro Mortais, Atul Gawande nos faz refletir que nossa noção de tempo diz muito sobre nossas escolhas e prioridades. Quando nosso horizonte é medido em décadas – tempo que nós, seres humanos, fantasiamos ser infinito -, focamos nossos desejos em ideais como realização, criatividade e outros atributos da “autorrealização”. Porém, conforme nosso horizonte se contrai e o futuro traz a dimensão do tempo como algo finito e incerto, nosso foco muda para o aqui e agora, para os prazeres cotidianos e para as pessoas mais próximas.
A nossa vulnerabilidade modifica nossas metas e intenções. Faz-nos sedentos das boas relações. Tolstói também reconheceu isso através do seu personagem Ivan Ilitch. No livro, conforme sua saúde se deteriorava e ele percebia seu tempo como limitado, sua ambição e vaidade desapareciam e tudo que passou a desejar era conforto e companhia.
Estamos todos vulneráveis agora. E isso não nos destrói, nos modifica. Dependemos mais do que nunca de uma autonomia guiada pela consciência coletiva. Lidamos com escolhas individuais que nortearão o bom futuro de nossa humanidade. Em alguns momentos nos sentimos como se não pudéssemos controlar as circunstâncias da vida. Mas, ser o autor de nossa própria vida, na verdade, significa controlar o que fazemos com as circunstâncias que nos são dadas.
Há cientistas que chamam isso de “transcendência”: essa existência de um desejo transcendental de ver e ajudar as outras pessoas a alcançarem seu potencial e exercitarem propósitos em comum. Afinal, mais do que nunca, precisamos reconhecer o que falou Ortega Y Gasset: “eu sou eu e minha circunstância” e, por isso, o propósito da vida coletiva, e não só da individual, devera ser fazer com que a vida seja melhor para todos e todas.
Mario Sergio Cortela nos ajuda então nesse raciocínio: O que estou buscando agora? Uma vida com propósito não seria aquela em que eu entenda as razões pelas quais faço o que faço e pelas quais claramente deixo de fazer o que não faço? É evidente que restrições são desagradáveis, mas é preciso encontrar caminhos e compreender que vivemos períodos difíceis, precisamos manter a clareza de que essa circunstância não é definitiva.
Vivamos Ubuntu, e nos lembremos de que, se somos humanamente ligados, com as escolhas e esforços corretos, podemos sair ainda mais humanos de toda essa experiência.
Natalia Schopf Frizzo é psicóloga, mestra em Psicologia e Saúde – UFCSPA, Residência em Gestão e Atenção Hospitalar – Área de concentração: Oncologia- Hematologia – UFSM/HUSM, especialista em Cuidados Paliativos – Hospital Israelita Albert Einstein Especialista em Psicologia Hospitalar – CFP
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A VIRUS BETWEEN THE US AND US: FREEDOM, AUTONOMY, AND PURPOSES
What a damn longing isn’t it? From the normality of routine, from greeting with an embrace, from freedom of choice, about when and where to go. I miss the smell of the person you like, happy hour with friends or lunch at grandma’s house. We miss you, a word that is unique in our Portuguese language, and full of so many meanings.
But, today I came to share with you my newest acquisition for life: the word Ubuntu. Does anyone risk unraveling what it is? Ubuntu, as Dirk J. Louw explains, is a word originally from South Africa, which carries a moral concept, a philosophy, a way of life, which is opposed to narcissism and individualism. The meaning brings with it the statement that “to be human means to be through others”, whether they are alive or dead, human or not. And it still has the power to translate into “compassion, warmth, understanding, respect, care, sharing, humanitarianism or, in a word: love”.
Like longing, Ubuntu is more than a word, it expresses awareness of the relationship between the individual and the community. According to this philosophy of life, someone becomes a person through other people, but also through all beings in the universe, including nature and non-human beings. And, therefore, for the Ubuntu lifestyle, “my humanity is inextricably linked to your humanity”. There is a great notion of fraternity involved in compassion and open-mindedness, as well as understanding that taking care of the other means taking care of oneself and also of the world in which one lives.
Fantastic, isn’t it? An entire society that practices the understanding that life takes place in the relationship and that we are all collectively responsible for this success.
At present, the lack of the other, coexistence and freedom is being questioned. Our ideal of autonomy shook the fanciful understanding of pure independence, free from coercion or limitation and invited us to think about such autonomy along the lines that the philosopher Ronald Dworkin proposed to us, as the freedom to be the authors of our lives – a life that takes place in collectivity. We are physically removed from some references, but maintaining the integrity of our life requires that we do not disconnect from who we were or who we want to be.
In the book Mortals, Atul Gawande makes us reflect that our sense of time says a lot about our choices and priorities. When our horizon is measured in decades – the time that we, human beings, fantasize about being infinite -, we focus our desires on ideals such as realization, creativity, and other attributes of “self-realization”. However, as our horizon contracts and the future brings the dimension of time as something finite and uncertain, our focus shifts to the here and now, to everyday pleasures and those closest to us.
Our vulnerability changes our goals and intentions. It makes us thirsty for good relations. Tolstoy also recognized this through his character Ivan Ilitch. In the book, as his health deteriorated and he perceived his time as limited, his ambition and vanity disappeared and all he came to want to be comfort and company.
We are all vulnerable now. And it doesn’t destroy us, it changes us. We depend more than ever on autonomy guided by collective consciousness. We deal with individual choices that will guide the good future of our humanity. At times we feel as if we cannot control the circumstances of life. But, to be the author of our own lives, in, fact, it means controlling what we do with the circumstances given to us.
Some scientists call this “transcendence”: this existence of a transcendental desire to see and help others to reach their potential and to exercise common purposes. After all, more than ever, we need to recognize what Ortega Y Gasset said: “I am me and my circumstance” and, therefore, the purpose of collective life, and not only individual, should be to make life better for everyone.
Mario Sergio Cortela then helps us with this reasoning: What am I looking for now? Wouldn’t a life with purpose be one where I understand the reasons why I do what I do and why I fail to do what I don’t? Restrictions are unpleasant, but we must find ways and understand that we are living in difficult times, we need to maintain the clarity that this circumstance is not definitive.
Let us live Ubuntu, and remember that if we are humanly connected, with the right choices and efforts, we can come out even more human from this whole experience.
Natalia Schopf Frizzo is a psychologist, master in Psychology and Health – UFCSPA, Residency in Management and Hospital Care – Concentration area: Oncology- Hematology – UFSM / HUSM, a specialist in Palliative Care – Hospital Israelita Albert Einstein Specialist in Hospital Psychology – CFP
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